terça-feira, 27 de março de 2012

Regras de convivência: limitação dos excessos ou da autonomia dos CA’s?



O 1/2012 começou cheio de polêmica na UnB. Mais uma vez, os “trotes sujos” e as festas no campus são assunto na mídia, nas conversas nos CA’s e nos corredores da Reitoria. Todas/os puderam ver o resultado de trotes como o da Engenharia Mecatrônica, com calouros/as bebendo ajoelhados/as diante de veteranos/as e sendo intimidados com uma arma de choque pelos/as últimos/as. Também foi notícia a recepção de calouros/as em um bar próximo ao campus Darcy Ribeiro, com 2 em coma alcóolico. Por fim, semana passada um estudante foi atropelado nas imediações da FGa, reacendendo a discussão sobre segurança nos campi.

Desde o início de 2011 a UnB tem sido destaque na grande mídia do DF e do Brasil. O pontapé inicial foi uma reportagem veiculada no DFTV da Rede Globo, no dia 14/01, em que os CA’s são apresentados ao público como locais impróprios à universidade: as festas, a depredação do patrimônio público, o consumo de drogas e álcool são a regra. Em fevereiro, a opinião pública tomou conhecimento do degradante trote do curso de Agronomia, em que as calouras são submetidas a um ritual humilhante de conotação sexual, com um conteúdo claramente machista. Depois veio a Veja, com a matéria “Madraçal no Planalto”, publicada no dia 04/07, em que a UnB parece ter se transformado em um “reduto da intolerância esquerdista”, com o suposto apoio da Reitoria de José Geraldo.

A UnB não é nem de longe uma universidade perfeita. Muito pelo contrário. Basta perguntar a qualquer estudante da FCe, do IdA, da Psicologia, ou a qualquer um/a que enfrenta as filas diárias no RU, depende da Bolsa Permanência ou que pega o 110, sobre quais são os principais problemas da UnB. Com certeza a resposta não será “controle ideológico”, “happy hours” e “trote”. Porém, apesar de todos os seus problemas, o mérito da UnB é sobreviver como uma universidade pública e gratuita, que se destaca pela qualidade de sua produção científica graças aos esforços conjuntos de professores/as, estudantes e funcionários/as, e apesar dos ataques do Governo Dilma – que só este ano cortou R$ 1,9 bilhão da Educação – e da Reitoria – não nos esqueçamos que esta foi a Reitoria que recredenciou a Finatec, apesar dos apelos do Ministério Público e do bom-senso.

A mídia não é boba. É nítido o seu interesse em desqualificar a universidade pública em proveito de um ensino de mercado, e aí está o segredo do “interesse” pela UnB. A Reitoria, por sua vez, achou por bem dar uma resposta à sociedade no sentido de limitar a “liberdade excessiva” das/os estudantes, e formulou as chamadas “Regras de Convivência”, que foram elaboradas no ano passado e serão votadas na próxima reunião do Conselho Universitário (Consuni), nesta sexta-feira (30/03).

Os excessos da Reitoria
É verdade que os trotes violentos, ao estabelecerem hierarquias de “poder”, reproduzirem ideologias e práticas opressoras, além de submeterem as/os calouras/os a uma condição degradante, são um grave problema e devem ser combatidos. É também verdade que o papel dos CA’s deve ser prioritariamente a organização e mobilização das/os estudantes dos cursos por melhorias na universidade e na sociedade, além de promover sua integração através de atividades de confraternização, debates, rodas de conversa, etc. No entanto, as “Regras de Convivência” da Reitoria, ao levantarem a necessária discussão sobre o trote e as festas de grande porte nos campi, põe no mesmo bojo uma série de outras atividades e práticas que já fazem parte da cultura universitária sem prejuízo à comunidade, e terminam colocando em xeque a autonomia das entidades estudantis. Apoiando-se no desgaste dos trotes violentos e das festas de grande porte, a Reitoria quer limitar a autonomia e a organização dos Centros Acadêmicos.

O parágrafo único do artigo 8º das “Regras de Convivência” estabelece que “toda e qualquer atividade que não faça parte da rotina administrativa e acadêmica [...] fica condicionada a permissão de uso”. À primeira vista parece justo: uma tentativa de impedir os trotes violentos e as festas de grande porte. Porém, existe uma série de outras atividades que “não fazem parte da rotina administrativa e acadêmica”, mas que deverão ser submetidas à permissão da Reitoria para serem realizadas, caso as Regras sejam aprovadas: Happy Hours para arrecadação de finanças para os CA’s; reuniões para discutir as pautas do movimento estudantil; atividades para recepcionar as/os calouras/os com debates, palestras, etc. Alguém pode imaginar o ex-reitor Timothy Mulholland concedendo uma “permissão” para o DCE realizar uma assembleia geral de estudantes no início de 2008, auge das denúncias de corrupção contra a Reitoria? Felizmente em 2008 não tínhamos as tais “Regras de Convivência”, caso contrário teria sido muito difícil realizar a ocupação da Reitoria e derrubar Timothy...

No inciso VII do artigo 7º é possível ler: é facultado às autoridades administrativas e à segurança da UnB solicitar identificação de qualquer membro da comunidade acadêmica e de quaisquer pessoas que estejam nas dependências dos campi”. Temos aqui um problema legal – limitar a presença de qualquer indivíduo de adentrar e permanecer em uma instituição pública, paga com o dinheiro de toda a sociedade – combinado a um problema operacional – como identificar simultaneamente os mais de 30 mil membros da comunidade universitária? – que desagua em um questionamento decisivo – caso as Regras sejam aprovadas, que critérios serão utilizados para exigir a identificação de alguém? Muitos/as tiveram a oportunidade de assistir a um vídeo que circulou na internet e na grande mídia há alguns meses atrás. Um policial abordava um grupo de estudantes da USP, mas só exigia a identificação (!) de apenas um deles, o único estudante negro no local. Diante dos protestos do estudante em ser tratado de forma diferente dos demais, o policial o agride fisicamente e chega a sacar o revólver. Limitar o acesso das pessoas à universidade é  se valer de critérios subjetivos para identificar quem tem o “perfil” ou não de estudante da UnB, e se a universidade, infelizmente, é majoritariamente branca, heterossexual e de classe média, parece óbvio quem serão as vítimas dessa escolha arbitrária.

É proibido proibir!
Existem outros pontos dentro das “Regras de Convivência” tão polêmicos quanto os dois últimos, mas que em essência reproduzem a mesma ideia mestra: a universidade é um espaço destinado exclusivamente ao ensino, à pesquisa e à extensão, e toda e qualquer atividade que fuja a esses princípios deve ser condenada. Nada mais falso! A universidade ultrapassa em muito essa concepção de matiz positivista! A universidade deve estar a serviço das demandas dos/as trabalhadores/as, investigando as raízes últimas dos problemas que afligem o povo que a sustenta com seus impostos – a isso chamamos “função social” –, e nesse sentido é inadmissível limitar o acesso da população às suas dependências; a universidade deve formar cidadãos/ãs críticos/as, preocupados/as em solucionar os graves problemas sociais do Brasil, o que exige o princípio da pluralidade e da livre discussão, em que as entidades estudantis como os CA’s cumprem um papel fundamental, e por isso qualquer tentativa de cercear sua autonomia deve ser repudiada. A UnB deve ser bem mais do que propõe a Reitoria! Chamamos todos aquelas e aqueles que concordam que a universidade deve ser crítica, plural e livre, a participar da próxima reunião do Consuni e a expressar sua indignação com a concepção de universidade cinzenta e sem vida da Reitoria. É proibido proibir!

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